sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O estranho caso das tartarugas ninja

A bem dizer, as tais tartarugas não me interessam nem um bocadinho, sejam as personagens de série de animação ou, menos ainda, as suas aventuras. Se fosse o Bugs Bunny ou o Daffy Duck … aí já não digo nada.
Estes quatro antropotestudinosos com nomes italianos só me interessam devido exactamente aos seus nomes: quatro dos maiores génios da Renascença foram escolhidos pelo criador da série juvenil  para encarnarem nuns bicharocos verdes, que, para cúmulo, combatem o crime onde quer que ele se manifeste. 
Não há pachorra!... 
No entanto, o porquê de semelhante escolha deve existir em qualquer lado. 
Suponho eu  e por isso vou tentar encontrá-lo. 
Na minha pose de antropólogo amador nem a dimensão da verdadeira arte de cada destes génios de nome modernamente reutilizado me preocupa: eram todos magníficos e isso chega-me. 
O que me interessa neles (ou antes, passou a interessar depois da minha filha me pregar uma lição objectiva de história de arte, durante o jantar) é o aspecto exemplar das suas vidas agitadas.
Fiquei a saber algumas coisas que já desconfiava: eram uns devassos completos e apenas um não era homossexual; e outras que desconhecia de todo (à excepção do caso particular de Michelangelo, que já o sabia um bom filho-da-puta): o carácter revelado pelo tipo de relacionamento de cada um e de todos.
Começo pelo que sempre me agradou mais: o grande inventor do guardanapo (sim, Leonardo). 
Filho bastardo da nobreza de Vinci, foi preso aos 14 anos com um dos seus primeiros namorados por actos públicos atentatórios da moral mais ou menos visível. A sua sorte foi que o amante de ocasião era um jovem príncipe, e, como tal, não podia ser preso.
Donde, por defensivo mimetismo social, Leonardo também não ficou na choça. 
Bem mais tarde, já artista reconhecido, toma por amante e modelo um belíssimo sacaninha da pior espécie: um tal Gian Giaccomo 'Salaí' (à letra: porquito, pequeno demónio), que o roubava e o traía a torto e a direito – entre mil outras patifarias da época. No entanto, apesar do nome que lhe traía a índole, Salaí foi companheiro de Leonardo até ao fim: vivia na casa de campo do artista na altura da morte deste e herdou as suas vastas vinhas – e a Mona Lisa, que na altura foi avaliada em 505 liras (uma razoável fortuna).  
Isto tudo aconteceu encontrando-se Leonardo em Paris com um outro namorado, o conde Francesco Melzi, que acabaria por herdar uma série de quadros seus e os seus diários científicos (espólio este que acabaria roubado por um amante que Melzi mais tarde meteu em casa…). 
Resta lembrar que Leonardo tinha uma personalidade mais extrovertida do que seria de imaginar pelo que dele transpira a História. Nos dias de hoje, atendendo à maneira espaventosa de se vestir (mesmo já velho) e de se relacionar, dir-se-ia dele com a facilidade dos julgamento actuais que era uma autêntica bicha louca. 
No lado oposto encontramos o misógino e maltrapilho Michelangelo Buonarrotti, e a principal vítima do seu feitio tumultuoso: Tommaso dei Cavalieri, um jovem nobre que a tudo renunciou por amor – e a quem o autor de David tratava muitíssimo abaixo de cão. 
O Michelangelo comportamental era uma besta invejosa, pretensiosa, má: dos quatro era o único que não era amigo de nenhum dos outros, e a sua inveja social demonstrou-a bem quando o quadro A Academia de Atenas, de Raffaello Sanzio (o Rafael do quarteto), que exibia no topo da figura central de Sócrates a face de Leonardo, foi instalado na sua Capela Sistina. 
Morreu riquíssimo, completamente em desacordo com o seu estilo de vida, deixando o seu fiel amante na mais soturna miséria. 
Porque o beneficiário do artista seria afinal um seu sobrinho, que ficou encarregado de conseguir com a herança um título nobiliárquico para a família Buonarrotti … 
Um caso imprestável e indigno de vingança social póstuma, está bom de ver. 
Para o bem e para o mal, surge, por ordem de grandeza, o excelente Raffaello de Sanzio. 
Filho de artista da corte de Urbino e protegido de vários papas, era um heterossexual hiperactivo.
Instalado na corte pontifícia por Julio II – que lhe encomendou vasta obra e o gostaria de ver casado com uma sobrinha do cardeal Medici Bibbiena –, o bom do Rafael não era um perfeito Cortegiano como o seu amigo D. Miguel da Silva, bispo de Viseu e grande entusiasta, hoje quase ignorado, da cidade do Porto (Baldassare Castiglione dedicou-lhe a sua obra mais conhecida, exactamente Il Cortegiano).  
Isto tudo porque pelo meio da sua copiosa arte e das múltiplas aventuras amorosas, Raffaello torceu o nariz à putativa noiva Medici, ao mesmo tempo que concubinava no quarto ao lado do papa com a sua favorita – Margherita Luti, la Fornarina (padeirinha, à letra, até porque era filha dum padeiro) –, sonhando a espaços fazer-se eleger cardeal. 
Nada doido, portanto. 
Morreu novo, dans son champ de bataille – qui était son lit
De facto, aos 37 anos, numa Sexta-feira Santa, alegadamente dia do seu aniversário, teve uma noite de sexo de tal forma ardente com a sua Padeirinha que ficou doentíssimo. Como não quis dizer o que se passara ao certo, trataram-no de modo a morrer da cura. 
Mas deixou boa fortuna à amante, nada de confusões!... 
Para acabar, e com bem pouco brilho, diga-se de passagem, resta Donnatello – um renascentista primitivo que morreu vinte anos antes de Raffaello nascer.  
Homossexual assumido e assim tolerado, não lhe é conhecida nenhuma extravagância de carácter. Dava-se bem com toda a gente e os seus amores não ficaram na História. 
Era, portanto, um chato – embora gajo porreiro. 
Acabada a salada, perdura o espanto: o que terá levado estes quatro personagens da cultura mundial ao panteão do cubo mágico na casca dumas tartarugas mutantes armadas em espertas?!… 
Isso sim, espanta! 
O resto foi sempre assim.

ps (Já depois de ter escrito esta rábula espaço-temporal, a Joana (minha filha) tentou explicar-me o inexplicável: que, de acordo com a ratazana Sensei (pai espiritual das tartarugas ninja, sublinhe-se), o uso de tais nomes resultava do facto de ele, ratazana Sensei e pai espiritual das tartarugas ninja, muito admirar as obras dos senhores... O que, segundo a minha informadora privilegiada, reflecte simplesmente a intenção do próprio criador da série...
Claro que não me convenceu. Na melhor das hipóteses, para mim, o criador da série limitou-se a usocapiar uns nomes sonantes para dourar a pastilha.
Ou seja, mero publicismo – e numa boa, porque se não for...
Devemos desconfiar sempre do politicamente correcto. 
Sempre) 

6 comentários:

  1. Ótimo,excelente,Benedito...terreno fértil para uma Teoria da Conspiração, não é? Lembro do meu filho, quando pequeno, assistir às tais tartarugas.Hoje, depois do seu texto, eu daria uma boa avaliada no seu conteúdo antes de liberar o desenho ao miúdo...vai que ele fazia muito sucesso entre os cônegos lá no Lamego :o)

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  2. Pois é, Turmalina, pois é..., você tocou exactamente na mais ímpia das minhas suposições! Por isso eu digo aquilo da publicidade «numa boa»... Porque se fosse numa má, está a ver...
    Ainda bem que gostou, querida amiga!

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  3. Que tão divertido. As tartaruguinhas me passaram em brancas nuvens, muito tarde pra minha infância, muito cedo pra do meu filho. De mais a mais o mau gosto alimentar (até gosto de pizza, mas apenas...)já me afastaria sem pestanejar.

    Dos rapazes e suas intensas vidas, gosto de Leonardo e sua sensibilidade para o futuro. Até a bicicleta, ora!

    Antônio, que alegria ler seu blog. Um beijo!

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  4. Luciana! Eu apanhei com as ninja em pleno solstício do meu filho, mas a minha filkha é que sabe tudo (sobre tudo, até irrita...)
    Também sou fã do Leonardo.
    Um beijo, minha amiga

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  5. Queridos, depois de assistir ao trailer dessa série televisiva produzida em Brasília, fico com as tartarugas:http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=CEY5qn_Yxvo#!

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  6. Vige! Parece o início dum porno lésbico! Por momentos pensei que você tinha endoidado, Turmalina!
    (eheheherhe!...)

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