quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CAPÍTULO III – J. H. Saraiva convida picuinhas (1ª parte)

Depois deste arbitrário julgamento que o professor José Hermano Saraiva elaborou em «Autos conclusos» – onde clama pela voz do povo como pelo escrutínio de jurados para que as suas lucubrações passem a integrar qualquer futura biografia de Eça –, sobrava-me o sentimento de que, como se diz em futebol, conseguira um empate com sabor a derrota...
Destacada surgia a quase sacralização dum preceito legal que eu já só compreendia como inoperante, burocrático e, obviamente, facilmente ultrapassável.
Depois, JHS afirmava categoricamente algo que não é de todo verdade: 
– «Ainda hoje os registos de nascimento com mães incógnitas se referem todos a mulheres casadas». Como é possível afirmar que um bebé encontrado num contentor de lixo é, inevitavelmente, filho duma mulher casada?!...
Mas ainda mais confusão me fazia a possibilidade de, em 1845, haver uma lei que incidisse de forma tão preciosa – tão absoluta – sobre um assunto que era específico mas que podia também ter as mais variadas géneses e enquadramentos.
Assim pensando, fui à procura da tal lei.
Não a encontrei.
Andava já a pensar na melhor maneira de inquirir o meu simpático opositor sobre tal assunto, e, eis se não quando, me surge na redacção portuense do Expresso uma enigmática carta remetida pelo fautor das minhas dúvidas jurídicas. 
Escrita nos primeiros dias de Setembro, a carta estava ancorada no interesse do «público culto português» em «tudo o que se refere ao genial escritor», e revelava o interesse «dos vários quadrantes» em reunir os nossos textos recém-publicados «num pequeno volume»..., «que incluirá também os artigos do jornalista do Diário de Notícias António Valdemar» e ainda «outros programas que fiz sobre a vida e a obra do grande escritor».
Dei comigo a rir à gargalhada! 
Os artigos do ‘DN’?! Essa é boa!... 
No primeiro de quatro, o jornalista em causa faz um precário digest das teorias de JHS e acaba com um rotundíssimo «Eça, afinal não é Eça. É, apenas, Queiroz!».
No segundo revela sem pudor toda uma enorme cátedro-dependência, recordando «a leitura jurídica que ouvi várias vezes» junto duma data de senhores importantes do mundo das leis, onde pontuava também o pai do próprio jornalista.
E cita no fim uma frase do meu tio-avô António – filho de Eça – a respeito do atribulado nascimento do pai: «O escritor, a sua obra e tudo quanto a ela se liga é de todo o mundo. O homem, fora da sua obra, o marido, o pai, pertencem unicamente aos seus, ao nosso amor e à nossa saudade».
Ora nesta frase, que demonstra apenas a vontade dum filho em preservar a memória do seu pai, o jornalista do ‘DN’ descobriu «frases que poderão ser atribuídas a alguns personagens dos romances de Eça».
É caso para dizer que o homem sofria então de forte hipermetropia mental: conseguia ver vários personagens de Eça numa frase normalíssima do filho do escritor (será uma frase feliz ou infeliz, como se queira), mas não vislumbrava todos os dias o velho Palma Cavalão no espelho do seu próprio quarto-de-banho!
E, lá pelo meio, culminava-se de novo no «ponto da situação: Eça não é Eça. É, apenas, Queiroz». 

Investigação profunda, prosa elaborada – essa é que é essa!...

AO IRREQUIETO MERCÚRIO
 JUNTA-SE A FRIEZA DO ÉTER

O momento era sublime, mas exigia um movimento rápido como o mercúrio e frio como o éter (sai frase tipo super-herói!).
Nessa mesma noite – 9 de Setembro de 2004 – escrevi o seguinte:

– «Exmº Senhor:
Recebi ontem a sua carta, exactamente numa altura em que ponderava seriamente a hipótese de o contactar com um pedido de informação. 
Aqui lhe respondo, com todo o gosto, não sem aproveitar a deixa para antes lhe perguntar qual é exactamente a legislação de 1845 que consultou para basear a sua teoria sobre a mãe de Eça, já que nada encontrei nas Ordenações Filipinas e na muita legislação avulsa que dava corpo ao edifício legal vigente na época. 
Como o Senhor já sabe, eu considero a sua versão dos factos muito interessante, mas agora também constato que a sua base de sustentação fica-se pelo valor estatístico da probabilidade.
O facto é que vários homens de leis que conheço e contactei (inclusive um juiz do Supremo, com experiência nesta área específica) consideram apenas possível que as «mães incógnitas» representem uma maioria não quantificável de mulheres casadas...
Ora – penso eu –, o rigor histórico não se pode compadecer duma hipótese indocumentada cujo pilar central nada mais é do que o resultado de um cálculo de probabilidades. 
E a mim, dentro das probabilidades que me têm surgido sobre o convulsivo nascimento do meu bisavô, já só me falta mesmo ver aparecer alguém que diga que o escritor era filho – sim! – de Carolina Augusta... mas não de Teixeira de Queiroz.
Aí, já só mesmo um teste ao ADN da família poderia provar o que quer que tivesse de ser provado.
Porque eu nada tenho de provar – ao contrário do que acontece com quem acha que descobriu uma nova história em Eça, a explicação final de todo o suposto enigma do seu nascimento e a verdadeira fonte de toda a propalada acidez do escritor para com o universo feminino. 
A mim apenas me parece que o senhor Professor se esqueceu dos «prolongamentos que ultrapassam o quadro» – usando uma bela imagem de Patrice de la Tour du Pin.
Como o Senhor muito bem afirmou no Expresso/Actual, a minha posição «é clara e castiça».
Dentro deste espírito, é com prazer que lhe digo achar a sua ideia muito interessante, apenas ornamentada com um pequeno mas altamente impeditivo escolho: o Sr. Valdemar. 
Acontece que não gosto dele!
Eis os porquês: das vezes em que ele decidiu falar a respeito dos filhos do escritor, exprimiu exclusivamente o seu enorme desprezo, demonstrando mesmo uma gritante menoridade emocional. 
Dou-lhe um exemplo, bem patente naquele penoso «relato» que António Valdemar efectuou no ‘DN’ sobre a nossa animada contenda: «(...) Conhecemos as indignações da família sempre que se toca neste caso e que (...) um dos filhos do escritor condensou nestas frases que poderão ser atribuídas a alguns personagens dos romances de Eça (...)».
Quais personagens?!?...
O tom é apenas chocarreiro e vulgar, como chocarreira e tautológica é a repescagem de um seu artigo – publicado na mesma coluna no início do ano – onde desfia os vários «bastardos» da família Queiroz. 
Como se isso tivesse algum interesse para o caso. (1)
A mim catalogou-me de defensor dos «pergaminhos da família»!
Como se precisassem de algum defensor... 
Depois ali não vivem ideias: há apenas ressecos factos dispersos, palimpsestos de muitas cópias, opiniões de várias origens e tempos, ditos de outros..., tudo muito mal emaranhado numa prosa supostamente vencedora onde o autor se comporta como uma espécie de auto-nomeado árbitro. 
É aquilo que eu chamo de «cultura tablóide», que nada acrescenta ao assunto e me irrita solenemente.
Ou seja: o Sr. António Valdemar impede-me de aceitar a tentadora proposta com que o senhor Professor tanto me honra. Porque não quero os meus textos sufocados de enjoo, ao lado dos dele, no interior dum universo tão condicionado como o é um pequeno livro. 
Poderá o Senhor achar que é snobeira da minha parte – mas não é. Eu simplesmente não gosto do Sr. Valdemar. 
Nem de confusões.
Por outro lado, acho que se houver alguma continuidade epistolar neste nosso diálogo – mesmo que não publicada em jornais –, nada impede que a sua ideia se realize. 
Para tanto basta que eu possa ilustrar o meu «voto vencido» – que não é atávico, senhor Professor – apoiado na legislação a que o Senhor já acedeu.
E, claro, que o sr. Valdemar não participe dos créditos no libretto final.
Em suma: acho a sua ideia valiosa porque muita da gente que se interessa por Eça nada sabe sobre as circunstâncias do seu nascimento, para sempre envolvido numa névoa de dúvidas embaciadas. Que, para mim, mais não são que de pormenor. Tal livrinho ajudaria a informar um pouco os potenciais interessados sobre a densidade dessa névoa e as várias ideias que ao longo do tempo têm sido formuladas sobre o tema.

Aguardando a sua compreensão, bem como a sua resposta,
cumprimento-o com a consideração de sempre.

(AEQ)»
  1. (De facto, esta questão tem importância, pois Teixeira de Queiroz irá pedir o conselho do pai, que lhe indicou uma solução por si já antes utilizada) 

É claro que eu esperava uma resposta de JHS. 
Tendo em conta a sua formação jurídica, não deixaria certamente de responder – pelo menos à questão que dizia respeito aos putativos fundamentos legais da sua «verdade».
Verdade esta que só conseguia ver como devidamente dotada do lastro pesado que a palavra «única» encerra em si. 
Esperei calmamente pelo correio.

A 16 do mesmo mês a minha expectativa realizou-se.
E a bem dizer de forma bastante inesperada – até para os meus mais mirabolantes sonhos.
Sobre a parte que realmente me interessava, dizia José Hermano Saraiva:
– «Qual a legislação de 1845 que consultei? É todo o sistema anterior ao Código Civil, e aliás em grande parte mantido nesse Código. Veja por exemplo os vários artigos sobre «Filhos» no Repositório Jurídico Português, posterior ao Código.
Receio porém que a sua pergunta nem tenha razão de ser. Nunca sustentei que a expressão «mãe incógnita» seja equivalente a mulher casada. Incógnito, quer dizer isso mesmo...»
Aqui parei a leitura e fui buscar rapidamente o artigo de JHS publicado no Expresso, a ver se não estava a ficar maluquinho de vez. E afinal, no quinto ponto de «A verdade é só uma», lá aparecia escrito que «li os documentos, estudei a lei vigente em 1845, consultei ilustres magistrados (até do Supremo) e professores de Direito, e a solução foi sempre a mesma: a omissão do nome da mãe, para não ser precisa uma acção de filiação, significa, necessária e exclusivamente, que a mãe era mulher casada».
O curioso é que esta contradição notória inclui pormenores subtis que, logo depois de desenrolados, se enrodilham outra vez de tal forma uns nos outros que eles próprios se encarregam de impossibilitar e tolher de vez a verosimilhança das teorias do professor – como se verá no restante da carta que eu então lia.
«Mas o meu argumento é bem outro: o progenitor de Eça pede à progenitora que o nome dela não figure no registo para que «em tempo algum» não seja precisa uma acção de filiação (cito de cor e posso falhar nalguma vírgula)».
O professor Hermano Saraiva sublinha que, se a mãe do escritor fosse solteira, o facto de o seu nome figurar no assento de baptismo «não só não exigiria qualquer acção, como automaticamente a dispensaria no caso de casamento ulterior. 
Não se investiga o que se conhece, e se o nome da mãe ficasse no registo não haveria necessidade de acção». 
O que, convenhamos, é no mínimo elementar... 
Concluía o raciocínio lembrando que tal acção só existe se a mãe for casada, «porque “pater est qui núptiae demonstrant” – e portanto o verdadeiro pai não seria o pai jurídico». 
Ou seja: volta-se à inevitabilidade da mulher casada, já que a hipótese de a verdadeira mãe simplesmente renegar o próprio filho não passou pela cabeça de JHS. 
Como também não passou pela mesma cabeça a possibilidade do indiscutivelmente íntegro e humaníssimo juiz Teixeira de Queiroz (o mesmo que se negou a julgar Camilo e Ana Plácido em assuntos do foro íntimo) respeitar e até compreender a posição radical e extremamente egoísta de Carolina Augusta.
JHS prossegue, afirmando que a sua argumentação «não admite qualquer escapatória, a não ser a de uma fraude intencional e criminosa». E isto, que simplesmente também não é verdade, já encerra em si uma dúvida material sobre a «verdade única» de Hermano Saraiva: afinal, sempre podia não ser adúltera! – a tal senhora que foi mãe de Eça. Bastava para tanto ter havido uma «fraude intencional» – acto que eu admito como possível na minha «Tréplica», quando falo num «juiz em causa própria».
No parágrafo seguinte, o venerável comunicador remete o ambiente da situação para o machismo vigente na época – o que faria algum sentido se José Maria Teixeira de Queiroz representasse bem a sua época. Ora este homem, que além de juiz era par do Reino (com todas as tendências de rigor e austeridade que queiramos encontrar tanto no cargo como no título), recusou-se, há bem mais de um século, a aplicar uma lei – a da criminalização do adultério – que só há pouco mais de um ano foi revogada na Turquia.
Era, pois, um homem muito avançado no seu tempo.
Diz JHS:
– «Quando Eça nasceu, não ficava mal a ninguém ser filho natural. (O casamento era excepção e o celibato a regra). O que era infamante e desclassificante para vários efeitos era ser filho adulterino. Repugna-me acreditar que o progenitor quisesse sujeitar o filho a tal infâmia, inventando situação inexistente».
Como se verá adiante, esta última frase é uma armadilha escondida que professor Saraiva montou a si próprio sem o saber.
Depois a missiva segue para outras latitudes, animando-me com a sua compreensão pelo meu (?!) «misoneísmo (horror à novidade)» e sublinhando que o escritor «é maior que todos estes enguiços de literatos ociosos».

HARA-KIRI DE TELENOVELA
Carolina Augusta Pereira d'Eça e José Maria
Teixeira de Queiroz, no dia do seu casamento

Chegado aqui, JHS diz compreender que eu «não aprecie certas companhias» – referindo-se ao jornalista do ‘DN’. Mas que ambos vivemos na mesma época, «tiveram os mesmos leitores», que o citado jornalista já havia concordado (imagino bem que sim!), que a situação que eu criara era «incómoda»... E pedia-me para ponderar «porque o espírito do autor d’Os Maias se arrepiaria na tumba se soubesse que um seu descendente não viera à liça para quebrar lanças em seu nome».
E eu assim fiz. Ponderei. 
Imenso.
Eis o resultado da minha mui ponderada ponderação:


– «Exmo. Senhor:

A sua última missiva deixou-me absolutamente perplexo, a pontos de uma velha canção infantil se saracotear por momentos na minha mente.
Rezava tal cantilena o seguinte:
– «Eu atrás das pulgas!/ e elas aos sal-ti-nhos!...».
Pois é, senhor Professor: inicialmente referenciei a recusa de Teixeira de Queiroz em julgar Camilo e Ana Plácido como elemento charneira do seu argumento para a futura obra «Uma nova paternidade em Eça de Queiroz».
O Senhor ressalvou (e bem!) que isso apenas fazia parte do décor da peça, destacando então a crucial importância de determinados preceitos jurídicos – que, tanto quanto me é dado perceber agora, subscrevem apenas a aplicação retroactiva de legislação apensa ao chamado «Código Seabra».
Conhecendo desde há muito o axioma que afirma ser a verdade jurídica apenas formal – por muito material que se queira reclamar –, expliquei então que as circunstâncias especiais que rodearam o nascimento de Eça eram mais do que suficientes para que Teixeira de Queiroz tivesse utilizado a designação de «mãe incógnita» no assento de baptismo, pretendendo assim esconder Carolina Augusta do opróbrio de um confronto imediato com a formalidade da verdade jurídica.
Por muito que a verdade material já lá estivesse de facto.
Verifico agora que imputei desnecessariamente esse pequeno «crime» ao meu trisavô.
E porquê? Porque o senhor Professor vem agora contradizer a sua «verdade única» – onde a designação «mãe incógnita» desempenhava o principal papel –, retirando definitivamente realidade formal a essa hipotética e agora concretamente inexistente «trisavó adúltera»!
E, de hara-kiri em hara-kiri, chegamos hoje ao domínio ultra-subjectivo das convicções pessoais: o senhor Professor acha..., e é tudo! 
Ou seja: é nada!
Pela última vez, vou-lhe descrever o quadro geral – que o Senhor efectivamente desconhece no todo mas do qual fez estrategicamente desaparecer toda a idoneidade (e mesmo a quase total existência física!) da família Pereira d’Eça: Teixeira de Queiroz tem de registar o filho em tempo útil para que – diz a carta que o Senhor cita em parte –, «em tempo algum» seja necessária «justificação de filiação. Espero se ponha ao nosso filho o meu, ou o seu nome, conforme deve ser». 
E foi.
Ele tem de registar a criança imediatamente, para que, mais tarde, não sejam levantados os complexos processos de filiação. Não põe lá o nome de Carolina Augusta para que esta perceba que, do lado dele – Teixeira de Queiroz –, não há qualquer animosidade ou sequer pressão.
Apenas lhe diz o que vai fazer. É simples, concreto e revelou-se eficaz porque eles casaram mais tarde e Eça teve mãe oficial. A sua mãe.
Ninguém ali foi muito feliz – mas foi o que se arranjou.
Não consigo descortinar onde o Senhor foi desencantar a ideia de que, em 1845, Teixeira de Queiroz não conhecia sequer Carolina Pereira d’Eça. Mas se as provas mostram exactamente o contrário! 
Ou o Senhor acha que elas também fazem parte da sua piedosa «teoria da conspiração»?
O Senhor não admite que um homem de leis utilizasse tais termos apenas para garantir à mãe de Eça que o seu nome não aparecia – ainda que apenas formalmente – na situação extremamente incómoda de mãe solteira. O senhor Professor diz que à época isso não tinha qualquer importância. Ora ponha-se lá na pele de Carolina Augusta – seja empático...
Mas não!
Como ainda agora vi na gravação que fiz do seu programa, o Senhor acha que a mãe de Eça era mulher casada com um homem muito mais velho, pois que Teixeira de Queiroz fala do «meu cazamento consigo – o que talvez haja de acontecer brevemente (...)». Só faltou mesmo dizer que Teixeira de Queiroz conhecia o médico particular do velho marido enganado, e que este lhe teria transmitido o periclitante estado de saúde do seu caquéctico paciente, cuja morte estava por dias!...
Seria uma excelente forma de dar consistência final a este autêntico guião de telenovela... mexicana! 
E aqui se desfazem todos os equívocos.
Enquanto subsistiram dúvidas sobre a aplicação legal do termo «mãe incógnita», o assunto tinha, pelo menos, um pólo de interesse. Era académico, mas existia.
Agora nem isso.
Depois, o Senhor não se limitou a destituir intelectualmente os Pereira d’Eça. Na sua versão, também Teixeira de Queiroz é um autêntico patarata.
Vejamos: o homem, ao utilizar a fórmula que o senhor Professor agita como prova da existência de «mãe adulterina», expôs afinal o filho – que tanto queria proteger – à evidência (para si) da situação.
E é mesmo o Senhor quem estranha que ninguém ainda tenha reparado nisso! Donde, pode retirar-se que Teixeira de Queiroz, como juiz, era um péssimo intérprete das leis da causalidade. Mais precisamente: era um juiz burro! 
O Senhor pegou numa cena do passado – agora paralisada para sempre –, recortou os aspectos que lhe interessavam, dispensou outros, juntou tudo dentro duma moldura... e criou o quadro «Dogma!». Há nele uma sombra chinesa, um juiz estúpido e um miúdo infeliz.
Mas só este último é verdadeiro.
O resto é da sua capacidade inventiva – qualidade que muito aprecio, mas em su sito.

Quanto ao «enguiço de literatos ociosos», tal não existe porque eu não sou literato. Sou jornalista e vivo apenas disso. E por acaso este assunto também me diz respeito.
«Quebrar lanças»? Só me resta perguntar uma coisa: mas o Senhor ainda quer mais?! É que para mim há uma coisa sagrada que aprendi no Ultramar: nunca se deve atirar num homem desarmado.
Já sobre as vicissitudes causadas por mim ao seu livro – que certamente terá um teor orientado por forma a «oficializar» o seu dogma privativo –, tenho a certeza que o senhor Professor saberá muito bem «dar a volta ao texto».
E a caixa de ressonância do Sr. Valdemar será certamente uma ajudinha. Não sei se preciosa, mas isso é assunto exclusivamente seu.

Agora, mais do que nunca, excluo-me de tal show.
Em contrapartida, lanço-lhe um outro desafio: permito que os meus textos sejam republicados ipsis verbis se o Senhor tiver a coragem de incluir toda a restante correspondência trocada até agora entre nós. 
Isso sim!, seria um jogo a sério. De homens. 
E assim se saberia, finalmente, quem é o misoneísta (e aqui a novidade seria eu...) e quem tem medo da verdade.
E Eça lá permaneceria bem quietinho, no sossego do seu caixão...

Com todo o respeito, mas sem mais o que dizer
(AEQ)

P.S. (Embora duvide que tal se venha a justificar, reservo-me o direito de fazer exactamente o que o senhor Professor pretende fazer com a matéria que viemos discutindo. Noutros termos, como bem poderá imaginar)».

Por esta altura já eu achava possível uma despedida airosa por parte de JHS, tanto mais que a minha última missiva continha, digamos, um ou outro foco de laser reflectido no aço limpo de várias e bem afiadas lâminas... 
Na verdade, eu subira a parada inicial, mandara o Sr. Valdemar às malvas, e ameaçava fazer sozinho o que o renitente comunicador pretendia fazer em grupo.
No entanto, a nova missiva remetida da capital mostrou-me uma faceta da questão que eu ainda não tinha equacionado: o polémico programa de JHS no Canal 2 obrigara-me a fazer um já longo percurso numa zona da vida de Eça que eu apenas conhecia por alto. 
O que me levaria depois a coordenadas que nem sonhava existirem.


(continua amanhã)

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