segunda-feira, 7 de novembro de 2011

REEDIÇÃO DE UM SONHO (feito livro)



A ideia de reeditar em blogue aquele que eu considero o meu primeiro livro minimamente conseguido surgiu como forma de recuperar alguma dinâmica escrevinhadora - que, pelas mais variadas razões, muito definhou nos últimos meses.
Mas convém apresentar esta minha ideia (talvez alguns a achem um pouco peregrina...), tentar torná-la mais apelativa.
O que vou trazer aqui nos dias mais próximos, distribuído por capítulos ou partes destes (mas tudo na sequência do próprio original), é todo o livro Eça de Queiroz e os seus clones, publicado em 2006 pela editora Guerra & Paz. Não é um livro pacífico, reconheço-o ainda hoje. Mas hoje também, mais ainda do que há cinco anos, considero-o actual e capaz de acrescentar algo ao que já é conhecido por todos os que apreciam a obra do meu bisavô.
Como aviso prévio, confesso que isto não era para ser um livro. Na verdade tudo começou num programa televisivo de José Hermano Saraiva, onde o conhecido comunicador apresentava uma teoria absolutamente excêntrica ao que era conhecido até então sobre o nascimento do mestre do Realismo em Portugal. 
Houve troca de argumentos, pública e privada, uma ameaça de edição conjunta dessa nossa correspondência, e, por fim, a decisão de fazer tudo sozinho.
Ainda bem que foi assim, porque se não o livro seria coisa bem diferente e não teria dado o gozo que realmente me deu – como provavelmente irão perceber os que tiverem a pachorra de aturar esta arqueologia familiar (e também literária, porque não?...).
Mas antes do livro em si, começo por mostrar a forma como encontrei um editor, o meu editor desde então – o meu Amigo querido Manuel S. Fonseca. Para tanto fui roubar ao blogue É tudo gente morta (onde o Manuel me enterrou comodamente e onde muito me diverti) um excerto de um texto que lhe dediquei no ano passado, pelo seu aniversário.   

O caso do editor que por pouco não seria

Corriam os idos de Setembro de 2006 e eu era então possuidor duma dessas coisas a que ainda hoje se chama manuscrito e que nem por isso deixou de o ser.  Não sabia bem o que fazer com aquilo. Tratava-se de obnóxia coisa (editorialmente falando) e eu sentia que iria ter grandes dificuldades em conseguir que a publicassem. Pode-se imaginar mesmo que eu aceitaria a primeira oportunidade que me surgisse, fosse ela qual fosse.
Ora foi exactamente isso que aconteceu – só que na melhor das versões.
Passo a explicar.
A conselho de um velho amigo, que acabava de arrancar com uma micro-editora cheia de magníficos projectos (a Palimpsesto), decidi telefonar para o até então quase desconhecido (para mim) Manuel S. Fonseca. O argumento do meu amigo foi o de que a Guerra & Paz gostava de polémicas, e sem dúvida o meu manuscrito podia perfeitamente constar de tal categoria – pelo menos em boa parte.
Se bem me lembro nem sequer telefonei: de facto acho que um bocado a medo me limitei a enviar um mail para a G&P, em nome do Manuel, com o texto anexado.Depois aconteceu aquele que para mim foi um dos episódios formais mais divertidos da minha vida.
Continua a ser.
Porque um dia, sem se fazer anunciar que não pela maneira mais directa possível, recebo um telefonema do nosso MSF com os seguintes dizeres: que sim, que gostaria muito de editar o meu livro mas que tal não era possível dado ele próprio, Manuel S. Fonseca, fazer parte do grupo de pessoas que eu, directa ou indirectamente, desancava na presuntiva obra.
Confesso que fiz cara de parvo ao telefone.
Por outro lado o tom de sinceridade divertida que eu sentia nas palavras do meu interlocutor deixou-me momentaneamente perplexo. E ele, o interlocutor, lá prosseguiu do outro lado da linha, no mesmo tom leve e despreocupado (a dramatização é da minha lavra):
– Bem, a verdade é que eu faço parte do alvo das suas críticas. Porque enquanto director de Programação da SIC fui responsável e um dos grandes incitadores à realização do filme português O crime do padre Amaro…
Aquilo foi como uma bomba de neutrões!
O que agora vou confessar é inconfessável mas verdadeiro.
Ainda em estado de choque profundo, meti o mainframe de emergência a funcionar. E ele, qual Hall 9000 na fase obediente, disse por mim estas matemáticas e quase infames palavras:
– Ah!…, mas isso não tem qualquer espécie de importância! Porque nos agradecimentos prévios dedico o livro a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, me ajudaram a escrevê-lo…
E de facto na dedicatória de Eça de Queiroz e os seus clones está escrito o seguinte:
«Todas as ajudas são preciosas, mas decorre dos factos que umas o sejam mais do que outras… Por vezes, curiosamente, são aqueles que se nos opõem quem fornece as melhores.
Dedicado a todas as pessoas que, de alguma forma, me ajudaram a escrever este livro».
Enfim, mais uma facécia das minhas.
Mas sim, aquele a «todas as pessoas» colocava realmente MSF na minha zona de tiro franco (um quarto de capítulo, não era coisa pouca!). E também na dos agradecimentos prévios – o que era duma ambiguidade clamorosa, convenhamos.
Fosse como fosse, facécia ou não, vilania pura ou levérrima chantagem emocional, o facto é que o meu Hall 9000 alternativo acertou em cheio com os seus métodos.
Porque o Manuel, com aquela voz desempoeirada e vibrante que se lhe conhece, logo entendeu que «então assim está tudo bem», entrando de seguida na área dos precisos: que era preciso fazer isto, e mais aquilo, e assim, e assado…
O livro saiu lindo como nunca imaginei que ficaria, num recorde temporal que também não sabia possível.


EÇA DE QUEIROZ E OS SEUS CLONES

Todas as ajudas são preciosas, mas decorre dos factos que umas o sejam mais do que outras...Por vezes, curiosamente, são aqueles que se nos opõem quem fornece as melhores.Dedicado a todas as pessoas que, de alguma forma, me ajudaram a escrever este livro

PREÂMBULO

Estranha viagem esta, a que me propus fazer pelo mundo de Eça de Queiroz.
Estranha mas muito interessante.
Nela encontrei várias pessoas que viam personagens do escritor nas mais diversas paragens e situações, e que se apropriavam mesmo, nestas suas visões subjectivas, de mundos paralelos onde também coexistiam certos e determinados Eças. Consequentemente, deparou-se-me também o escritor transformado em personagem temporário destes irremediáveis queirólogos, que o exibiam muito mais complexo, sofrido e esquisito do que na realidade alguma vez ele poderá ter sido ou sequer aparentado de forma fugaz. Eram as extrapolações de Eça – uma espécie de clones tortos, à semelhança do que a melhor ciência vigente produz, sempre dotados de graves insuficiências quando comparados aos modelos originais.
Tais exercícios não derivavam, portanto, do que na realidade o escritor fez, foi ou escreveu: eram espécimes alternativos, e surgiam aleatoriamente ao sabor da fantasia ou da oportunidade de momentos concretos. Para os criadores destes clones genética e psicologicamente modificados de nada serviram os documentos, os dados oficiais e, menos ainda, os testemunhos dos pais e de outros familiares directos – que ainda chegaram aos meus dias de bisneto distante.
Porque tão criativa gente achou sempre que tudo isso era apócrifo, mentira ou, no máximo, uma encenação piedosa.
Aproveitando o advento de nova versão fantástica sobre o nascimento de Eça (copiosamente ornamentada de pormenores romanescos, como de costume), decidi produzir uma espécie de guião que deveria seguir por uma estrada obrigatoriamente dedutiva e também um pouco interior – mas sempre sinalizada da forma mais objectiva (tanto quanto isso é possível).
Com esta viagem pretendi mostrar aquilo que, apesar de múltiplas evidências, essas pessoas pretendem negar através dos frutos da sua vastíssima e por vezes desenfreada imaginação. A principal razão que me levou a entrar em semelhante repto não foi a defesa de Eça – ele dispensa perfeitamente tal investimento.Foi antes a qualidade social dos autores de tais especulações: é gente ligada à cultura, que, dada a sua diversificada notoriedade, saberá certamente reconhecer o reflexo das respectivas responsabilidades enquanto difusora dessa mesma cultura. A segunda razão foi, naturalmente, a minha consciência de que as suas teorias estavam profusa e fundamente erradas. 
Houve quem me dissesse para não fazer este trabalho, que poderia não ser boa ideia – que me iam zurzir as orelhas!, pela certa... Ora!, como não?!, pensei na altura. Só podia ser estimulante – com zurzidelas ou sem elas. Corria um suposto e muito discutível risco que – por entre muitas outras coisas interessantes que entretanto foram acontecendo – me trazia um imediato e inexplicável retorno de prazer e realização. 
Esta impressão antecipada materializou-se plenamente. Porque toda esta minha reflexão sobre o escritor revelou-me um ser permanentemente em busca de conhecimento, aventurando-se no acontecer da Vida como alguém que já sabe não ser esta uma actividade especialmente sedentária – seja no tempo, seja no espaço. Alguém convicto da sua honestidade intelectual e da sua capacidade (em permanente actualização) para descrever o que essa mesma Vida lhe ia mostrando em determinados momentos.Apresentou-me também a um herói que desconhecia em absoluto – o muito novo, solidário e inflexível cônsul de Portugal em Havana –, exibiu-me o filho de uma relação complexa e, finalmente, deu-me a conhecer – ainda que de forma subsidiária – uma certa morbidez muito lusa que adora tintas bem carregadas quando se trata de fazer (e até de ver) retratos de seres que a transcendem de forma radical.
E por este trilho peripatético fui sabendo das várias terras onde o meu glorioso antepassado nasceu (diz-se), dos vários pais e mães que teve (diz-se...) e da possibilidade de ele ter sido ainda um sodomita encoberto ou apenas um mero diletante na sua arte (diz-se também!). Tomei conhecimento dum mandarim chinês e dos seus milhares de assassinos potenciais, dum amante impotente – triste como a noite –, dum tetravô maçon e duma trisavó tremenda.
É o que agora relato nesta pequena publicação. Com grande prazer e a certeza absoluta de que muito mais haverá para descobrir nesse ser único e fascinante que tive a sorte e a honra de ter como bisavô. 
António Eça de Queiroz
(amanhã há mais...)


8 comentários:

  1. Excelente, meu amigo!
    Quem sai aos seus não degenera!
    Grande abraçol
    Alberto Guimarães

    ResponderEliminar
  2. Excepcional !
    Parabéns de facto tem a quem sair !

    ResponderEliminar
  3. Teresa Nascimento, a sua generosidade deixa-me um pouco atrapalhado..., sei que não passo dum mero sucedâneo bioquímico... Muito obrigado pelo seu comentário!

    ResponderEliminar
  4. Não intérprete o meu comentário como generosidade. Não comento quando não gosto quando muito líder somente para mostrar que li
    Abraço

    ResponderEliminar
  5. Não intérprete o meu comentário como generosidade. Não comento quando não gosto quando muito líder somente para mostrar que li
    Abraço

    ResponderEliminar